[post de 2015, por Carolina Drago]
Amigos autores,
Começo este post com um trecho de entrevista do escritor angolano Gonçalo M. Tavares. Diz ele que quem escreve deve se desligar do ato de publicar, não se entusiasmar logo com os primeiros textos. “Um escritor não precisa publicar um livro. Escrita e publicação não são sinônimos.”
Mas, calma, isso não é uma sentença! – não quer dizer que quem escreve não deva publicar nunca. É que o tempo da escrita, para o autor, é um tempo diferente – mais cuidadoso, menos ansioso. “Quando somos rápidos é porque já fomos muito lentos. Só é possível acelerar quando já se teve muito tempo a ser paciente.”
Gonçalo mesmo só publicou seu primeiro livro depois dos 30. Até aí, uns dez anos mais ou menos, tirou para ler e escrever – muito!
O resultado foram 4 livros publicados quase em sequência, mais de 20 em menos de dez anos, duas dezenas de prêmios e tradução para 36 línguas. E também o espanto (!) de José Saramago com tamanha competência: “Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!”.

Escutar hoje este conselho – do tempo da escrita – é no mínimo um alento. Claro que publicar é o sonho de todo escritor, mas e antes disso? O que sabemos (ou procuramos saber) do caminho que nos leva de uma ponta à outra?
Por isso este post (que dividi em duas partes, considerando uma ordem mais ou menos cronológica).
Lembrando que as dicas do título não são para consumo rápido, tampouco pílulas de promessas mágicas. Ao contrário: destinam-se ao autor em formação, ao escritor que se entende parte de um processo maior – e que, sim, ultrapassa assinar um livro.
[DICA 1] NÃO DEIXE A LEITURA DE LADO
Refleti muito sobre incluir esta – porque parece óbvia e desgastada – quando esbarrei num cenário, que nos é bem conhecido, de que ainda são muitos os autores iniciantes que apenas escrevem. Não leem, apenas escrevem.
(Daí precisarmos falar sobre isso.)
Sim, você quer ser escritor e deve investir nisso, mas não dá para esquecer como e onde tudo começa. Ler é básico, obrigatório e o grande ‘segredo’ para quem sonha/precisa escrever bem. Mais do que isso, é a maior (e melhor) escola de qualquer escritor – onde se vai buscar a matéria-prima, a técnica, o ritmo, e até a inspiração.

Mas ler o quê?, muitos perguntam. A resposta é o mais ampla possível: ler de tudo, ler para, ler por que. Como disse, é o começo de tudo.
O escritor Alberto Mussa fez uma listinha de conselhos de que gosto muito:
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NÃO LEIA POR HÁBITO
“Um livro não é uma escova de dentes. Leia por vício, leia por dependência química. A literatura é a possibilidade de viver vidas múltiplas, em algumas horas. E tem até finalidades práticas (…), mas é essencialmente lúdica, como devem ser as coisas que nos dão prazer.”
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VARIE OS GÊNEROS
“A grande literatura está espalhada, nenhum gênero é, em tese, superior a outro. (…) história, memórias, reportagem, divulgação científica – tudo isso pode ser literatura. Um bom livro tem de ser inteligente, bem escrito e capaz de provocar alguma espécie de emoção.”
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LEIA OS NACIONAIS
“Leia muito, leia sempre a literatura brasileira. Ela está entre as grandes. Temos o maior escritor do século XIX [Machado de Assis], um dos cinco maiores do século XX [Guimarães Rosa] e dos maiores dramaturgos de todos os tempos [Nelson Rodrigues].”

Entendida a lição, lembro aos novos autores que não basta ter lido os clássicos (que são, sim, fundamentais, devem estar no topo da lista!): se você quer ser escritor hoje, terá que conhecer também os autores da sua geração, com quem vai dialogar – na literatura e na prática. Quem são, o que escrevem, por que o escrevem.
Comece a garimpar os autores premiados nos últimos anos, que tiveram seus textos elogiados pela crítica, pelos blogs literários.
As duas listas abaixo, que recomendam autores/romances nacionais contemporâneos, são pra te guiar neste começo:
São um bom ponto de partida, mas não se contente com elas. Como todo bom autor, vá além e descubra um mundo novo
[DICA 2] FAÇA (BONS) CURSOS
Por mais que você se considere pronto, não há dúvidas de que a escrita é um processo de aprimoramento constante. Ler é o começo, mas praticar (e errar) também faz parte do caminho.
Os cursos voltados a aspirantes a autor são basicamente de dois tipos: mais técnicos, focados em particularidades dos gêneros (a trama num romance, o ritmo num conto, a palavra na poesia), ou mais criativos, e aí se voltam à percepção, a uma quase desnaturalização do nosso olhar sobre o mundo.
Se seu gênero é o romance, que requer cuidados bem específicos, conhecer como autores experientes lidam com os desafios pode te ajudar a encurtar seu caminho. Se sua escrita é mais lúdica, como a poesia ou prosa poética, os cursos criativos te darão muito do que precisa ^^
As oficinas são o ponto alto, já que dão a oportunidade rara de trocar com quem já atravessou algumas fronteiras. Ter feedbacks do que se está produzindo, compartilhar desafios com colegas de ofício, ter de reescrever o que já considerava acabado…
Tudo isso enriquece sua produção, te faz lembrar que o caminho é longo e lento – e que há beleza nisto também.
Tire um tempinho para acompanhar os portais culturais da sua cidade, que costumam espalhar essa programação literária. Para quem é do Rio, dicas extras de alguns espaços especiais:
Opções de espaços de curso no RJ
A Estação é movida a literatura, por isso sempre tem cursos, e bem variados – mais técnicos, mais lúdicos, mais focados no mercado e por aí vai. Os professores são escritores e profissionais experientes, sob a curadoria da Suzana Vargas. Fica em Botafogo.
Oferece a pós Formação do Escritor, de 360 horas e ementa teórico-prática, que inclui a produção de um livro ao fim do curso. É preciso sinalizar interesse, já que as turmas dependem de um número mínimo de inscritos. Fica na Gávea.
A Casa do Saber tem um viés mais filosófico, mas com espaço para bons cursos e palestras com escritores e profissionais do mercado. Fica no Leblon. Quem é de São Paulo também pode aproveitar; fica no Itaim Bibi.
Isso sem falar de cursos eventuais espalhados por aí, em livrarias ou mesmo espaços mais informais, como casas e coworkings – em breve, aliás, vamos divulgar os detalhes do nosso primeiro curso voltado a novas autoras.

E como não poderia deixar de ser, aqui vai uma indicação pessoal de oficinas voltadas aos diferentes perfis de autor. Mas é claro que existem outras, por isso fique de olho ^^
Opções de cursos e oficinas
A oficina da Carola é sobre romance, e muito bem recomendada. Dura quase 2 meses e te desafia a experimentar uma escrita mais densa, começar ou lapidar seu texto – que é lido e comentado (em parte) durante o curso. [DESTAQUE] A Carola compartilha detalhes do seu processo de sistematização/criação literária, o que ajuda muito quem está começando.
Com olhar sensível, Carrascoza se dedica a ensinar sobre os contos (que ele considera pequenos riachos, em comparação ao ‘rio-romance’). O curso explora os recursos do gênero, com momentos dedicados à criação. [DESTAQUE] Contos são a especialidade do autor, que com eles já ganhou alguns dos principais prêmios literários.
A praia do Carpinejar é a poesia, com a qual ele lida com muita intimidade. O curso é rápido, mas intenso – tem mergulho na linguagem, auto-exposição e muita troca. [DESTAQUE] Este eu fiz na Estação, e a imersão a que ele nos convida é completa. Pra quem se arrisca na poesia, então, é mais que necessário.

A oficina é de ‘literatura e imaginação’! Tem a leveza do Gonçalo, claro, mas só para disfarçar a intensidade das reflexões que ele propõe. A aula é superdinâmica e cheia de trocas, exercícios e muitas descobertas. [DESTAQUE] O olhar do autor sobre o mundo, e como ele ressignifica tudo. Esta eu também fiz, na Flip, e mais que recomendo.
[DICA 3] PUBLIQUE-SE AOS POUCOS
Quase todo autor iniciante questiona por que sair se publicando por aí – por que afinal ‘gastar’ seu material em publicações que não o tão sonhado livro. Saiba que nada é mais equivocado.
Para começar, se você deseja ter seu livro publicado por uma editora bacana, que vai apostar nele, precisa antes convencê-la de que tem esse potencial. Ao escritor que está começando pode parecer duro, mas é assim que funciona. Para uma editora, importa muito que um futuro autor da casa tenha iniciativa – e, é claro, leitores.
E isso, a gente sabe, só dá pra conquistar… se publicando!
O processo é mais ou menos simples: começa com alguns (muitos) posts nas redes sociais (ou blog, Wattpad*, o que for!), seguidores que vão surgindo, compartilhamentos… Depois um texto seu que sai num blog mais acessível, depois outro e outro, até ter finalmente um registro mais bacana, num espaço também maior.
Com o tempo (que depende da energia que puder dedicar), você vai encontrar um nicho interessado nos seus textos, e é daí que muitos ganhos podem surgir: desde feedbacks que te farão aprimorar sua escrita, seguidores que vão te ajudar a espalhar seu trabalho, até quem sabe a visibilidade de um editor.

Mas, veja, ainda que o editor não chegue até você, todo esse resultado (que podem ser números de seguidores na sua página social, acessos ao seu blog ou registros em espaços literários) é o que você vai reunir para apresentar junto com o seu original quando abordar uma editora.
O que muitos novos autores não entendem é que esse processo tooodo precisa ser percorrido – e antes, não depois de o livro ser publicado.
É preciso seduzir seu editor com um portfólio que o convença de que você é mais um que um bom autor: mas que é o principal interessado em ver seu livro vendendo e sendo lido ^^
A listinha abaixo indica blogs e portais literários por onde você pode começar esse trabalho:
Sugestões de blogs e portais literários
Portal literário aberto à colaboração nos gêneros conto, crônica e poesia, com edição de Nathan Matos. Orientações para envio aqui.
Revista virtual, sem periodicidade fixa, aberta à publicação de poemas, contos, resenhas e afins. Colaborações pelo link. Acesse os textos já publicados aqui.
Jornal de poesia, impresso (eventualmente) e digital. Aberto a autores de todo o país, que podem submeter seus textos pelo link. Publicações também no blog.
Revista de contos mensal, com edição de Mariel Reis e aberta a colaborações espontâneas aqui. No momento passa por reformulação editorial, com promessa de retornar em breve.
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E aí, leitor, gostou do texto?
Em breve tem a continuação do post, com as dicas que faltaram.
Se tem alguma dúvida, crítica, depoimento que possa enriquecer nosso debate, comente aí embaixo.
Até o próximo post!
Carolina Drago
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