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novos poemas

retiro

By novos poemas One Comment

a solidão nunca foi estranhamento, senão a irmã mais velha que não tive. na infância me juntei aos livros como quem pede um amigo pra brincar. mal sabia que viria com bagagem, carregando muito mais do que brinquedos. 

depois veio a solidão real – a de deixar o ninho pra crescer de fato. as madrugadas viraram confidentes, conselheiras da vida real. pra que mesmo terapia se se tem a noite inteira? todas as estrelas se transformam na resposta. até mesmo pras perguntas que não tive.

hoje é mais um desses dias, de olhar pra dentro. porque é a isso que a solidão chama, e muitas vezes nos convoca pelo nome. um mergulho interior sem volta, não sem tocar o chão da própria alma. e entender se ela (ainda) é um lugar bom, e se há espaço para a própria companhia

do lado de lá

By novos poemas No Comments

Há 20 anos meu avô partia, pouco depois de completar 70 anos. Morávamos em outra cidade e viajamos para nos despedir. Eu era criança e não fui ao enterro, fiquei com a minha prima em casa: passamos o tempo lembrando e rindo das boas memórias do vô. Desde então minha avó viveu, todos os dias, na expectativa desse reencontro. Ele aconteceu no último dia 28, um mês depois de ela completar 90 anos. Eu, que vejo sinal em tudo, logo concluí: eles realmente se encontraram. E, mesmo no caos em que vivemos, sem poder nos despedir, tendo que ressignificar o luto, a despedida, os abraços, isso aqueceu meu coração. Não pudemos viajar, então passamos de longe resgatando as boas memórias. Descanse em paz, vozinha. Obrigada por me ensinar tanto sobre o amor, por fazer minha cama caber no seu quarto, por crer na minha “bola de cristal”. Te amo.

novo outono

By novos poemas No Comments

Com o tempo a gente aprende tanta coisa, depois de tanto conselho, tanto silêncio, a gente aprende muito mais que as estações do ano, que o preço do aluguel, que o cheiro das margaridas. A gente aprende a filtrar os desconselhos, a aceitar os inimigos, a abraçar as dores. Depois de muitos invernos a gente entende que florir só depende de nós, e que a chegada do verão requer, sim, paciência. Com o tempo a gente percebe que de nada valeu guardar tanta roupa, que de nada valeu guardar tanta mágoa. Que amanhã pode ser um dia melhor que hoje, mas também que hoje pode ser melhor que semana passada. A gente pode demorar, porque aprender leva tempo, mas o que importa é que a gente vai entender, muitas vezes lá pelo fim da estrada, que o valor das coisas depende mais da leveza do olhar que do peso das moedas. A gente vai entender que nem todo sorriso sorri, que nem toda lágrima chora, que o que a gente vê nem sempre é. Tanta coisa será dita, sim, mas só escute mesmo o que falar à sua alma. Muita gente vai julgar o que você é, o que deveria ter sido, seus sonhos, seus planos, seu emprego, seu desemprego e sua falta de sonhos e planos. Muita gente vai lhe dizer que o caminho poderia ser outro, que você deveria ser outro, ter sido outra coisa mais entendível por todos, como se parecer fizesse mais sentido que tentar encontrar aquela chave de ouro que em algum planeta estranho ousaram chamar felicidade. E às voltas com tantos dizeres, pesares pesados sobre o que devemos, pode ser que a gente perca um tempinho decifrando esse mundo-quebra-cabeça de oitocentas mil peças. Mas no fim – e isso requer mais tempo que espaço – vamos entender que tudo é mais simples que um dia pensamos, que viver faz todo o sentido, que amar dá sentido a tudo. Porque no fim – mas isso exige parar um segundo – vamos contemplar tudo se encaixando como se já tivesse sido escrito, as linhas tortas de Alguém que nos escreve em seu Livro.

dos conselhos

By novos poemas No Comments

Crescer é inevitável e tem me roubado longas noites de sono.

Às vezes só tenho saudade do tempo em que a gente saía da escola e era simples, a gente descia a rampa cantando, a barriga doendo de rir, atravessava a rua sem nem olhar direito pros lados, o pé só seguia, quase uma dança, o olhar era leve, eu pensando nas mitocôndrias da aula, será que vai cair na prova?, me ensina física?, aquele poema…, o mundo era leve e eu era leve, você me segurava a mão e bastava.

Havia uma pureza em acreditar que ia dar certo, tudo ia dar certo, daqui a uns anos a gente casa, daí os filhos, e um cachorro, e uma casa com piscina, 2014, este é o ano, quem se importa com o resto?, a faculdade vai ser um mundo, eu quero descobrir o mundo, mas com você, vem comigo pra gente ser feliz, anda.

Eu andei, você me chamou e eu andei, me chamou a arriscar, a ter certeza e eu tive. Eu descia a rampa na van abrindo o bilhete com pressa, e você com a sua coragem lá longe me olhava e me lia. Meu coração disparou, eu que sonhava com todos os sonhos dentro do meu livro. Depois a gente só seguiu, sem saber bem, eu pelo menos. Queria viver e que desse certo – era simples, não era?

Não.

Não seria simples, nada é simples, nunca é simples.

O mundo vai se revelando, assim, como quem não quer atrapalhar, mas atrapalhando, e te empurra, você só quer um lugar pra sentar, ele te mantém em pé que é pra mostrar logo como vai ser. Você vai deixando de se embalar no caminho, as mãos vão tendo que se apoiar ou então você cai.

Não tem nada de muito romântico no que o mundo exige você ser, nas lágrimas que vão te descabelar, nas palavras que vão te fincar no chão, mas tem que ter, a gente precisa que tenha. A gente precisa se olhar ao fim de um dia doído e ver pra além dos olhos do outro, ver por dentro a magia que é seguir amando apesar da pilha de roupa suja, das contas sobre a mesa e da falta de tempo. A gente precisa ouvir no silêncio as palavras certas, e reconhecer nos vãos de nós mesmos que(m) ainda somos.

É questão de olhar pra mesma calçada e se ver não mais a criança que ri feito boba – mas a mulher que ainda vê graça (no tempo que passa, no invisível, que seja, porque acaba sendo). A mulher que se apoia na pilha de louça só pra servir de suporte pro outro, e que agora caminha olhando pros lados – mas também pro céu, mas também pra dentro.


Crescer é inevitável e vai te roubar longas noites de sono.

Por isso um conselho: só seja gentil, todos os dias, à frente do espelho.